Relatório do Imasul tenta livrar frigorífico da JBS de culpa por onda de mau cheiro em Campo Grande
TAC se arrasta há 14 anos sem ‘ajustamento’ e frigorífico da JBS mantém licença apesar de problema ambiental em Campo Grande
Relatório do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) tenta ‘minimizar’ a culpa da indústria pelo cheiro podre que o frigorífico da JBS espalha em diversos bairros de Campo Grande. “Os relatos de odores emitidos pela empresa são intrínsecos da atividade”, defende o documento.
A vistoria do Parecer Técnico Nº 212/2023 aconteceu em 2 de outubro de 2023. O relatório é assinado pelas servidoras Roberta Martins Passos Humberg, fiscal ambiental, e Lizany Lechner da Silva, gestora de processos.
No entanto, ao contrário do que escreveram as servidoras, até a JBS já admitiu em procedimentos anteriores do MPMS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul) que o tratamento de resíduos na unidade no bairro Nova Campo Grande está relacionado ao mau cheiro.
Além disso, os moradores relatam mal-estar, desconforto, náuseas e dores de cabeça causados pelo fedor na população dos bairros vizinhos ao frigorífico da JBS.
Inclusive, a empresa firmou, 14 anos atrás, TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o MPMS para ‘resolver’ efeitos ambientais do tratamento dos restos de animais abatidos.
Saiba Mais: Série de acordos com MPMS e multa de meio milhão não acabam com ‘fedor sem fim’ em Campo Grande
Desta forma, com o TAC na mão, a JBS tem enrolado as autoridades sul-mato-grossenses há uma década e meia sem resolver a questão. Segundo os procedimentos antigos do MPMS, a solução estaria enroscada na implantação ou adequação de um ‘sistema de tratamento de efluentes com lodo ativado’.
Relatório do Imasul isenta JBS sobre cheiro “inevitável”
Mesmo assim, as servidoras enviados pelo Imasul para vistoria no frigorífico da JBS S/A se limitaram a concluir que todo transtorno causado é ‘intrínseco à atividade’. Algo intrínseco, ou seja, essencial, normal, é algo que possa ser considerado inevitável.
Não é o caso da geração de odores em níveis que gerem desconforto à população para uma unidade industrial.
O Midiamax havia solicitado ao Imasul, em 15 de fevereiro, uma nota sobre as denúncias de moradores sobre o mau cheiro. Na época, o órgão se limitou a informar que “não recebeu denúncia a respeito, mas vai averiguar a situação”.
Foi questionado no mesmo dia se isso significava que haveria uma nova vistoria no local, mas até o momento não houve resposta sobre o tema. Todas as comunicações estão devidamente registradas.
Nesta quarta-feira (28), a reportagem solicitou novo posicionamento ao Imasul sobre a fiscalização que não apontou irregularidades, conforme relatou o MPMS. Não houve resposta até a publicação deste texto e o espaço permanece aberto para manifestações.
14 anos de TAC sem ajustamento: Imasul ajuda JBS a ganhar (mais) tempo
Com a informação oficial ‘surpreendente’ do Imasul, a promotora Luz Marina Borges Maciel Pinheiro, da 26ª Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Patrimônio Histórico e Cultural, Habitação e Urbanismo de Campo Grande, resolveu apelar para os especialistas do próprio órgão.
Na prática, a empresa só ganha tempo, pois voltaram a discutir no procedimento a origem do mau cheiro mesmo depois de a JBS ter admitido a responsabilidade no TAC.
VÍDEO: Moradores relatam ‘pior madrugada’ de fedor e pedem denúncia de frigorífico em Campo Grande
No último domingo (25), moradores do bairro fizeram um protesto na frente do frigorífico da JBS para cobrar providências dos órgãos fiscalizadores.
Após reclamações, frigorífico passará por vistoria para investigar mau cheiro no Nova Campo Grande
Moradores reclamam de mau cheiro
O próprio documento das servidoras admite que houve problemas e ‘condicionantes’ para emitir a RLO (Renovação de Licença de Operação) do frigorífico da JBS em 2019.
No entanto, se apressa em dizer que a empresa fiscalizada teria supostamente tomado medidas mitigadoras. Qualquer morador de um dos bairros no entorno da fábrica concorda que as tais medidas não mitigaram nada.
A condicionante 4 da RLO da JBS, mencionada acima pelo Imasul, proíbe a emissão de “substâncias odoríferas que possam causar incômodo à vizinhança, bem como a emissão de material particular e queima de resíduos ao ar livre, de qualquer natureza e em qualquer estado dentro da área do empreendimento ou em área de terceiros”.
Esse ponto é o centro das reclamações dos moradores ouvidos pelo Midiamax na última semana. A “podridão” se intensificou e até fez que alguns acordassem durante a madrugada.
“Às vezes, a gente tá almoçando e é muito fedor. É todo dia, tem dia que está mais forte e tem dia que está mais fraco, fica até chato receber alguém em casa, nem ventilador vence”, relatou uma moradora ao Midiamax.
Saiba mais: Problema antigo, mau cheiro piora na região do Nova Campo Grande e tira sono de moradores
“O mau cheiro aqui no bairro sempre foi algo terrível, o que, inclusive, prejudicou a valorização dos imóveis. Quem mora na parte do fundo do bairro, que é mais próximo da lagoa do frigorífico [perto da Avenida 5], sofre muito mais com esse odor”, disse outra na época.
Em ano de reeleição, Câmara prometeu ‘investigar mau cheiro’
Vereadores de Campo Grande prometem investigar o “cheiro de podridão” que assola a região do bairro Nova Campo Grande há anos. Moradores dos bairros Jardim Aeroporto, Vila Romana e Vila Popular pedem providências sobre a origem do mau cheiro.
O presidente da Comissão Permanente de Meio Ambiente da Casa de Leis, Zé da Farmácia (Podemos), explica que está aguardando um parecer do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul). O parlamentar também adianta que a Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano) está trabalhando no local.
“Estou aguardando o parecer do Imasul que é quem tem que fiscalizar. A Semadur já iniciou um trabalho de fazer uma varredora na região para analisar se não existe alguma outra coisa clandestina por ali. O frigorífico pode, sim, causar mau cheiro e vamos sim verificar pessoalmente”, disse Zé da Farmácia.
No entanto, se depender do documento oficial do Imasul, os vereadores devem encerrar a atuação, que ocorre às vésperas das eleições, com a explicação de que o sofrimento e problemas de saúde causados à população são ‘intrínsecos à atividade’.
JBS: confissão de propinas pagas pelo grupo sustentou Operação Lava Jato
O grupo JBS foi pivô das investigações da Operação Lava Jato, com os donos do império, irmãos Joesley e Wesley Batista, entregando em 2017 um massivo esquema de pagamento de propinas a autoridades e políticos brasileiros. Eles firmaram um acordo de leniência com a PGR (Procuradoria Geral da República) em 2017.
O Midiamax tenta, há quase duas semanas, um posicionamento oficial da empresa sobre o mau cheiro causado no entorno do frigorífico da JBS em Campo Grande, mas até o momento da publicação desta reportagem não obteve resposta. O espaço continua aberto para manifestações.